"As vezes
acometia-o uma febre que o levava a errar sozinho, à noite, ao longo da avenida
silenciosa. A paz dos jardins e as benevolentes luzes nas janelas derramavam
terna influência dentro do seu coração sem sossego"
"Não queria
brincar. O que queria era encontrar no mundo real a imagem sem substância que a
sua alma tão constantemente baralhava. Não sabia onde a descobriria, nem como;
mas um pressentimento o advertia sempre que essa imagem, sem nenhum ato aparente
seu, lhe viria ao encontro. Haviam de se encontrar sem alvoroço, como já
conhecessem um ao outro e tivessem marcado uma entrevista talvez num daqueles
portões ou noutro lugar mais secreto. Estariam sós, cercados pelas trevas e
pelo silêncio; e nesse momento de suprema ternura ele seria transfigurado.
Dissolver-se-ia dentro de qualquer coisa impalpável, sob os olhos dela. E
depois, então, num momento, se transfiguraria. Prostração, timidez e
inexperiência abandoná-lo-iam nesse mágico momento"
"Nós temos a idade
que sentimos"
"Com um inesperado
movimento ela lhe virou a cabeça e grudou os lábios nos dele. Ele leu o sentido
dos seus movimentos em seus olhos escancarados e erguidos. Isso era demais para
ele. Fechou os olhos, apertando-se bem de encontro a ela, corpo e espírito, sem
consciência de mais nada no mundo senão a sombria pressão dos lábios dela
suavemente se entreabrindo. Eles lhe comprimiam o cérebro como lhe comprimiam
os lábios, tal como fossem o veículo de uma vaga linguagem. E entre os seus lábios
e os dela sentiu uma desconhecida e tímida pressão, mais sombria do que o
desmaio do pecado e mais suave do suave do que som e odor"
"- Um dia de
nuvens listradas vindas do mar.
A frase, o dia e a cena
harmonizavam-se num coro. Palavras. Seriam as suas cores?Consentiu que elas
fugissem e esmaecessem, tinta após tinta: o ouro do sol nascente, o vermelho e
o verde dos pomares de macieiras, o azul das vagas, a fímbria cinzenta das
nuvens algodoadas. Não, não eram as suas cores-era o equilíbrio e a
densidade do período em si. seria, pois, que ele amava apenas erguer e o tombar
rítmico das palavras mais do que a associação delas em legendas e em cores? Ou
seria que, sendo de visão tão fraca como era, e tão tímido de espírito, tirava
menos prazer do reflexo do mundo sensível inflamando-se através do prisma da
linguagem multicolorida e ricamente ajaezada, do que da contemplação de um
mundo interior de emoções pessoais espelhando-se perfeitamente num lúcido
período de prosa farta?"
"A imagem dela
entrara na sua alma sempre, e palavra alguma tinha quebrado o silêncio sagrado
do seu arroubo. Os olhos dela o tinham chamado: e a sua alma saltara a tal
apelo. Viver, errar, cair, triunfar, recriar a vida para além da vida! Um anjo
selvagem lhe tinha aparecido, o anjo da mocidade e da beleza mortal, um
mensageiro das cortes esplêndidas da vida, para escancarar diante dele, num
instante de deslumbramento, os portões de todos os caminhos do erro e da
glória. Seguir, seguir, sempre para diante, para diante"!
"Fechou os olhos
no largor do sono. As pálpebras tremiam-lhe como se estivessem sentido o vasto
movimento cíclico da terra e dos seus guardiães, tremiam como se
sentissem a estranha luz de algum mundo novo. A sua alma desfalecida dentro de
um mundo novo, fantástico, ofuscante, incerto como um mundo submerso
atravessado por formas e seres nevoentos. Um mundo, um clarão, ou uma flor?
tremeluzindo e tremendo, tremendo e desdobrando-se, uma luz a fulgurar ou flor
a se abrir, tudo aquilo se dilatava numa interminável sucessão de si mesmo,
fulgurando ora escarlate, ora se desdobrando e desmaiando até o rosa mais
pálido, pétala após pétala, ou onda de luz após onda de luz,
tudo aquilo enchia o céu todo com fulgores, cada fulgor mais intenso do que o
outro.
Caíra a noite quando
ele despertou e areia e as ervas áridas do seu leito já não cintilavam mais.
ergueu-se, vagarosamente, recordando a transfiguração do seu sono e suspirou
ante o próprio júbilo"
-"A alma nasceu
primeiro-disse ele vagamente-, naqueles momentos de que te falei. Foi um
nascimento vagaroso e sombrio, mais misterioso do que o nascimento do corpo.
Quando a alma de um homem nasce neste país, há redes atiradas sobre ela para a
arrastarem da luz. Falas-me sobre nacionalidade, língua, religião. Hei de
tentar voar através de tais malhas"
-"Olha aqui,
Cranly- disse ele. - Tu me perguntas o que eu faria e o que eu não faria. Vou
te dizer o que farei e o que não farei. Não servirei aquilo em que não acredito
mais, chame-se isso o meu lar, a minha pátria ou a minha igreja: e vou tentar
exprimir-me por algum modo de vida ou de arte tão livremente quanto possa, e de
modo tão completo quanto possa, empregando para a minha defesa apenas as armas
que eu me permito usar: SILÊNCIO, EXÍLIO E SUTILEZA"
"26 de abril.
Mamãe está colocando minhas roupas novas (de segunda mão) em ordem. E está
rogando agora, diz ela, para que eu possa aprender na minha própria vida, e
longe do lar e dos amigos, o que o coração é e o que ele sente. Amém. Assim
seja. Sê bem-vinda ó vida! Eu vou ao encontro, pela milionésima vez, da
realidade da experiência, a fim de moldar, na forja da minha alma,
a consciência ainda não criada da minha raça"
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