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quarta-feira, 18 de abril de 2012

As Feras (Roberto Arlt)




Conto: Escritor Fracassado:
"Ninguém imagina o drama oculto sob as linhas do meu rosto, mas eu também já tive vinte anos, e o sorriso de um homem imerso na perspectiva de um triunfo iminente. Sensação de tocar o céu com as mãos, de viver numa altura celeste e perfumada, espiando a preguiçosa marcha dos mortais por uma planície de cinza" (pag.37)  


"Voltei meus olhos para a minha Obra, realizada havia muito tempo, e a proclamei perfeita, impecável. A quem se dignasse a me ouvir eu explicava que somente o respeito à minha criação anterior me impedia de produzir algo novo que não fosse muitas vezes superior a ela. E superar aquilo... era tão difícil superar aquilo..." (pag.43)

"Não podia resignar-me a ser uma anônima partícula silenciosa, que à noite mergulha no sono coletivo, enquanto outros homens trabalham venturosos sua beleza à luz de um infecto candeeiro.
Eu desejava ser uma voz no coração desse silêncio. Uma voz nítida, perfeita. Perfeita não, a mais perfeita" (pag.52)

"Tornei-me crítico literário (...) Despertou em mim a alma do inquisidor.
Saboreava o livro que ia despedaçar, muitos dias antes de sentar-me à escrivaninha.
Lembro que o tomava nas mãos e o apalpava com suavidade feroz, fazia a leitura devagar e aos poucos, com sobressalto de quem comete um crime lento e teme que alguém o esteja espiando; e nada soava melhor aos meus ouvidos que o estalo do meu próprio risinho seco, ao imaginar a habilidade com que iria esmagar aquela fábrica de palavras. Esfregava as mãos com nervosismo enquanto pensava no autor; e eu dizia lá no fundo mais profundo de minhas más intenções: - Voce trabalhou, canalha. quis ser famoso. Certo, agora vai ter o que merece." (pag.53)


"Eu me desiludi dos homens, ficando outra vez completamente só. Tentei, pela enésima vez na vida, trabalhar, criar alguma coisa bela,permanente. Queria estremecer a alma dos seres humanos, fazer, com que sentissem melhores ou piores, mas meu esforço evaporou-se no vazio" (pag.60)


"E assim vão se passando os anos. De minha inépcia emana uma filosofia implacável, serena, destrutiva:
-Para que perder o sono com lutas estéreis, se no fim da estrada temos como único prêmio uma profunda sepultura e um nada infinito" (pag.63)

Conto: As Feras:

"E se me resta tua lembrança é por representar possibilidades de vida que nunca poderei viver. É terrível, mas rubricado em certos declives da existência, não se escolhe; se aceita" (pag.102)

"No fundo dos olhos desses ex-homens dilui-se uma névoa cinzenta. Cada um deles enxerga em si mesmo um mistério inexplicável, um nervo ainda não catalogado, partido no mecanismo da vontade. Isso os torna bonecos de corda frouxa, e essa frouxura se traduz no silêncio que guardamos (...) o silêncio é o vaso comunicante por onde nosso pesadelo de tédio e angústia passa de alma para alma com uma fricção escura. Essa sensação de aniquilamento torvo, com as caretas inconscientes que acompanham a lembrança canalha, põe em nosso rosto uma máscara de feiura cínica e dolorosa" (pag.105)

"Feras enjauladas, permanecemos atrás das barras dos pensamentos resíduos, e é por isso que com tanta dificuldade se desprende o sorriso canalha do semblante encolado numa contração de tédio canino" (pag.108)

"Todos estamos cientes de que num dado momento da vida, por tédio ou por angústia, seremos capazes de cometer um ato infinitamente mais vil do que aquele que não condenamos. Para dizer a verdade, pesa como chumbo em nossas consciências um sentimento implacável, talvez a mesma fera vontade que encrespa as bestas carniceiras em seus covis de bosques e montanhas" (pag.112)

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