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domingo, 15 de abril de 2012

A confissão de Leontina e fragmentos (Lygia Fagundes Telles)


"Entendi muito bem o que ele quis dizer e tive tamanho desgosto que nem sei como pude calar a boca. Acho que não sou mesmo muito esperta mas sei rir e sei chorar. Está visto que não é retardada coisa nenhuma quem sabe rir e chorar na hora certa como eu sei" (pag.17)

"As lágrimas misturavam tanto as letras que eu não sabia se elas estavam no papel ou        nos meus olhos"(pag.24)

"Tudo passa sobre a terra!- estava escrito no final do romance que achei triste. Olhei para a outra Iracema que dormia no meio do tapete. Também voce vai passar? Tu quoque, Iracema?! Não sabia ainda que permaneceria infinita na minha finitude" (pag.45)

"Ninguém sabe, ninguém. Na Sibéria ninguém sabe de nada, inútil tirar do bolso o cartão de deputado, as condecorações, os louros. Para a Sibéria deveriam ser mandados os narcisos em delírio num pequeno estágio de humildade. Os ventos passam, os homens passam e ninguém sabe" (pag.47)

"Eles têm alguma ligação entre si?-perguntou-me A.M. Respondi-lhe que são fragmentos do real e do imaginário aparentemente independentes mas sei que há um sentimento comum costurando uns aos outros no tecido das raízes. Eu sou essa linha" (pag.56)

"Amor disciplinado nunca foi amor, pode ser método, arrumação no sentido de se botar tudo direitinho nos lugares, cálculo, mas amor?! Pois amor não era ilogicidade? Transgressão?
Digo-lhe que a indisciplina está só na aparência, na superfície. Na casca. Porque lá nas profundezas o amor é de uma ordem e de uma harmonia só comparável à abóbada celeste" (pag. 57)

"Se estava ouvindo- e livre, para sempre livre, ah, como demorou para entender que os outros-ah, que demora para se libertar, nascer de novo! Então ouviu a voz do próximo [desta vez, tão longe que ficou um sopro] pedir depressa a tampa, já estava passando da hora de fechar o caixão" (pag.59)

"Se a vida estiver lá fora, nessas vozes que desdenhei? E se o desvio da minha rota foi exatamente esse que escolhi? Mas haverá ainda tempo?" (pag.60)

"A máquina prossegue no seu funcionamento que é uma condensação, apenas aquela rodinha já não faz parte dessa ordem. 'É um desajustado'- diz o médico, o amigo íntimo, o primo, a mulher, a amante, o chefe. Há que readaptá-lo depressa à engrenagem familiar e social, apertar esses parafusos docemente frouxos. Se o desajustado é um adolescente, mais fácil reconduzi-lo com a ajuda de psicólogos, analistas, padres, orientadores, educadores- mas por que ele ainda não está nos eixos? Por que tem que haver certas peças resistindo assim inconformadas? Não interessa curá-lo mas neutralizá-lo, taque-taque" (...)
"Inexperiência ou cansaço? Cavalos e homens acabam por voltar à engrenagem. Muitos esquecem mas alguns ainda se lembram e o olhar toma aquela expressão que ninguém entende, ânsia de liberdade. De paixão. Em fragmentos de tempo voltam a ser inabordáveis mas a máquina vigilante descobre os rebeldes e aciona o alarme, mais poderoso  o apelo, taque-taque TAQUE-TAQUE! Inútil. ei-los de novo desembestados: Laçá-los é o mesmo que laçar um sonho" (pag.70)

     

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