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sexta-feira, 27 de abril de 2012

O Perfume (Patrick Süskind)



-"Ele está possuído pelo demônio.
Rapidamente Terrier tirou o dedo da cesta.
- Impossível!É absolutamente impossível que um bebê esteja possuído pelo demônio. Um bebê não é gente, mas um projeto de gente, e a sua alma é incompleta. Por isso não interessa ao demônio. Será que ele fala? Tem convulsões? Mexe com as coisas no quarto? Sai um cheiro ruim dele?
-Ele não tem cheiro nenhum-disse a ama" (pag.16)


"Os romanos sabiam das coisas! O odor humano é sempre um odor carnal-portanto, um odor pecaminoso. Então, como pode ter cheiro um bebê que nem sequer em sonhos conhece os pecados da carne?" (pag.22)


"Vencera, pois vivia, e tinha um pouco de liberdade que bastava para continuar vivendo. A época de hibernação havia passado. O carrapato Grenouille fez-se novamente sentir. Farejou o ar da manhã. O desejo de caçar dominou-o. A maior área de odores do mundo estava a seus pés: a cidade de Paris" (pag.40)


"Para Grenouille era certo que, sem a posse desse aroma a sua vida não teria mais sentido. Até o menor detalhe, até a sua última e mais suave ramificação, precisava conhecê-lo; a sua mera e complexa recordação não bastava. Queria gravar no caos da sua negra alma, como que com um sinete, o apoteótico perfuma, pesquisá-lo em toda a exatidão e, daí por diante, só pensar, viver, cheirar segundo a estrutura interna dessa fórmula mágica" (pag.50-51)


"Há um poder de convicção no perfume que é mais forte do que palavras, do que olhar, sentimento e vontade. O poder de convicção do aroma não pode ser descartado, entra dentro de nós como o ar em nossos pulmões, nos toma completamente, não antídoto contra ele" (pag.94)


"Esse mundo como que fundido em chumbo, o qual nada se mexia exceto o vento, e que às vezes caía como uma sombra sobre as matas cinzentas e no qual nada vivia exceto os odores da noite desnuda, era o único mundo que ele permitia que reinasse, pois parecia o mundo da sua alma" (pag.132)


"Sabe-se de homens que procuram a solidão: pertinentes, fracassados, santos ou profetas. Retira-se preferencialmente para desertos, onde vivem de gafanhotos e mel silvestre.
Alguns vivem também em cavernas, claustros ou em ilhas remotas, ou se enfiam-algo mais espetacular- em gaiolas penduradas em varas, no ar. Fazem isso para estar mais perto de Deus. Mortificam-se com a solidão e por meio dela se penitenciam. Agem na crença de levarem uma vida que agrada Deus. Ou ficam esperando durante meses ou anos até que, na solidão, lhes advenha uma mensagem divina que, depois, querem divulgar o mais rápido possível entre os homens.
Nada disso aplicava-se a Grenouille. Não tinha em mente nada parecido com Deus. Não se penitenciava nem esperava qualquer inspiração do alto. Só para a sua exclusiva diversão é que retraíra, só para estar mais perto de si mesmo. Banhava-se em sua própria existência, não se desviando por nada mais, e achava isso maravilhoso. Jazia na gruta de rochedos como o cadáver de si mesmo, mal respirando, o coração mal batendo- e, no entanto, vivia tão intensa e desvairadamente como nenhum libertino jamais viveu no mundo" (pag.137-138)


"Inspirou o ar que subia do seu corpo e cheirou o mau perfume, o veludo e o couro recém-colado dos seus sapatos; cheirou o tecido de seda, o pó, o creme, o fraco aroma do sabonete vindo de Potosi. E subitamente compreendeu que não tinha sido a sopa de pomba nem a ventilação milagrosa que haviam feito dele um ser humano normal, mas tão-somente o par de peças de roupa, o corte do cabelo e um pouco de cosmético" (pag.161)


"Queria ser o Deus onipotente do aroma, como fora em suas fantasias, mas dessa vez no mundo real e sobre pessoas reais. E ele sabia que isso estava em seu poder. Pois as pessoas podiam fechar os olhos diante da grandeza, do assustador, da beleza, e podiam tapar os ouvidos diante da melodia ou de palavas sedutoras. mas não podiam escapar ao aroma. Pois o aroma é irmão da respiração. Com esta, ele penetra nas pessoas, e elas não podem escapar-lhe caso queiram viver. E é bem para dentro delas que vai o aroma, diretamente para o coração, distinguindo lá categoricamente entre atração e menosprezo, nojo e prazer, amor e ódio. Quem dominasse os odores dominaria o coração das pessoas" (pag.172)


"A fragrância das pessoas em si era, para ele, indiferente. Tratava-se de uma fragrância que ele ´podia imitar suficientemente bem com substitutivos. O que ambicionava era a fragrância de certas pessoas: daquelas, extremamente raras, que inspiram amor. Essas eram as suas vítimas" (pag.208)


"Mas o ódio que sentia pelas pessoas permaneceu sem eco. Quanto mais ele as odiava nesse momento, tanto mais elas o adoravam, pois nada percebiam dele senão a sua aura, a sua máscara odorífera, o seu perfume roubado, e este era de fato, divinamente bom (...) Mas isso não deu em nada. Não podia dar em nada. Certamente hoje não. Pois ele estava mascarado com o melhor perfume do mundo, e debaixo dessa máscara ele não tinha rosto nenhum, nada senão a sua total ausência de cheiro" (pag.263)




"Tudo isso ele poderia fazer, bastava querer. Tinha poder para tanto. Segurava-o na mão. Um poder mais forte que o poder do dinheiro, do terror ou da morte: o insuportável poder de fazer as pessoas amarem. Só uma coisa esse poder não podia: fazer com que ele exalasse um cheiro próprio. E ainda que pudesse aparecer diante do mundo, por meio do seu perfume, como um Deus- se ele não podia ter seu próprio cheiro, e por isso, jamais saberia quem ele era-, pouco lhe importava o  mundo, ele próprio, o seu perfume" (pag.276)

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